O ano virou, resoluções foram
feitas e vontade de mudar e melhorar é o que não falta neste primeiro dia do
ano. Donos de academia, segurem os bolsos, pois eles vão encher rápido em
janeiro. Até fevereiro, claro, quando todos desistem do exercício pesado pois “isso
não é pra eles”, afinal de contas. Quem resolveu que iria perder peso já virou
o ano comendo Chester, churrasco e aquele resto do Chocottone do natal já amarrado
com fio de pão de forma, escondendo, desconcertados, a boca cheia e os dedos
lambuzados de chocolate assim que alguém chega para falar-lhes algo. Uma
pequena contradição, me parece. De onde surgem tantas resoluções não sabemos, e
também não importa, visto que apenas uma população irrisória vai seguir adiante
com as suas, pois o resto estará muito preocupado dormindo, se preparando para
o começo do ano (que ocorre, para eles, somente após o carnaval) e pensando no
que (deixar de) fazer no período de tempo entre o carnaval e a copa do mundo,
após a qual estarão comentando que vão votar na Dilma em outubro e depois é só esperar
o fim do ano novamente, para fazer as mesmas resoluções do ano anterior.
Mas existem aqueles que de fato
seguem adiante. Aqueles que ignoram as dificuldades, o sentimento de inércia
que os ronda e conseguem contornar as desculpas que muitas vezes eles mesmos
criam. Pessoas que, em agosto, estão felizes por estarem conseguindo cumprir
com suas resoluções e encaram reações confusas de pessoas que dizem “Resoluções?
Pra 2015? Ué, mas 2014 já tá acabando, só dar outubro e já é ano que vem”.
Resoluções para essas pessoas são tradição de fim de ano, assim como lembrar que amam seus
pais apenas em dias fixos do ano. Os que seguem com suas metas, naturalmente,
não devem explicações a ninguém, mas perguntas sempre são feitas e, animados,
acabam contando sobre seu progresso, apenas para serem desmotivados por quem
nem ao menos começou com as suas próprias resoluções.
Mas, imagine por um momento que
dessa vez você realmente queira cumprir com o
que estabeleceu para o ano de 2014 (ou qualquer ano, não importa). Mas como? A vida
é muito corrida? O dinheiro é curto? O tempo que é curto? Ou as desculpas que
são excessivas? Apenas uma dessas alternativas me parece apropriada ao caso.
Imagine também por um momento que você deixou de ser o Fábio, o Matheus, a Ângela,
a Rosicleide e virou outra pessoa. Virou outra pessoa mas manteve sua
aparência, seu status social, suas condições financeiras e todo o resto
(inclusive os problemas). Apenas sua mente mudou. Imaginou? Ótimo.
Esqueça que você é você, pois “você”
agora é essa nova pessoa. Essa nova pessoa é disciplinada e determinada e está no comando da sua vida. Essa pessoa consegue
fazer coisas que você nunca imaginou conseguir. Essa pessoa, que chamarei de “Mike”
fez as mesmas resoluções de ano novo que você: decidiu aprender um instrumento,
decidiu que iria pular de paraquedas, aprender italiano, deixar de comer junk-food
e iria economizar dinheiro. Mike consegue fazer tudo isso, mas... você consegue?
Mike começa seu ano acordando
cedo e faz uma busca na internet sobre modelos de violão para iniciantes e
sobre empresas que promovem paraquedismo. Aproveita também para olhar os preços
daquele curso de idiomas perto de casa, e fica surpreso com o preço, que era
até que bem razoável. Ao se desconectar, Mike vai até a geladeira e joga todos
os hambúrgueres e lasanhas congeladas no lixo de uma vez só, ele sequer para
pra pensar. Mike, tendo já recebido seu salário de janeiro, dessa vez deposita
uma quantia primeiro na sua poupança, para apenas depois pagar suas dívidas.
Passa no mercado e compra alimentos que julga saudáveis – frutas, vegetais, e
um peixe bem vistoso – e parece bastante satisfeito com sua decisão, o almoço
hoje vai ser uma nova experiência. São agora 10:38 da manhã do dia 1 de janeiro.
Você, por sua vez, acorda às
13:49 e o dia está tão quente que, com um olho fechado e outro aberto, tateia até
encontrar o botão do ventilador pra aumentar a potência e dormir mais uma meia
horinha, afinal é primeiro de janeiro e você merece o descanso. Ao levantar,
finalmente, às 15:28 (passou da meia horinha mas é ano novo, qual o problema?),
você fica sentado na cama contemplando a sua latente dor de cabeça da bebedeira
do dia anterior até que decide ir até a geladeira, esquivando-se dos corpos estendidos
pelo chão, tropeçando em alguns outros. Ao abrir a porta da geladeira, você dá uma olhada por dentro, dando
aquela coçada inconsciente nas costas, a vista ainda parcialmente embaçada e a
cabeça completamente vazia. A lasanha congelada parece ser a única opção,
então você a pega e deixa cair sobre a pia para descongelar, o barulho acordando
metade dos corpos babões na casa. O resto do dia consiste de assistir programas
de TV e de papos irrelevantes e desanimados com quem vai acordando.
Agora é maio. Mike já economizou
R$6.700 e já sabe 12 músicas no violão, ainda que soem bem arranhadas. Ele não
se importa; o caminho é sempre este e ele sabe bem. Seu italiano está carregado
de sotaque carioca e seu vocabulário consiste de não muito mais de 200
palavras. Mike se sente feliz por ao menos já conseguir pedir um pãozinho na
padaria ou informações variadas em italiano. Mike também perdeu peso. Em quatro
meses conseguiu perder 8kg e se sente mais disposto. Cortar aquele junk-food
realmente foi uma decisão acertadíssima. E ah, seu pulo de paraquedas havia
sido absolutamente extraordinário; Mike possuía agora dezenas de fotografias do
salto de causar inveja e recordações ainda mais valiosas. Mike também apresentava
um semblante de pessoa autorrealizada, e ele adorava cada segundo disso. Mas
muito ainda haveria de ser feito, ele estava apenas começando.
Também é maio pra você, e
aqueles 9kg a mais do natal realmente não fariam falta agora... Mês que vem
você prometeu a si mesmo entrar na academia, se o dinheiro sobrar. Ao destrinchar
um prato de macarrão com hambúrguer, você nota que seu irmão trouxe para casa
um folheto do curso que leciona italiano e deixou-o sobre a mesa. Ao lê-lo,
você comenta: “Ah, eu bem que faria italiano se tivesse tempo e cabeça pra isso.”
Todos concordam. Mais tarde, a conta do banco chega e, meu deus, mais dívidas.
Assim você fica negativo! Você queria consertar o violão do seu tio pra começar
a aprender, mas com essas dívidas é absolutamente impossível! Você é muito
azarado realmente. Você repete pra si mesmo que assim que eliminar as
dívidas vai depositar 50 reais todo mês na poupança (se der).
E o fim do ano chega. É dezembro.
Mike está mais vívido do que nunca (havia conseguido alcançar aquele peso que tanto precisava alcançar) e conversa com seus parentes e amigos sobre
sua vida, soltando algumas frases aqui e ali em italiano, todo risonho, apenas
para ouvir aquele iminente “que exibido, esse menino!” de sua querida avó, ao
som das risadas de todo o resto. Mike pede licença, retira-se do aposento e
pouco tempo depois volta para a sala, agora com seu violão, e, desencapando-o,
anuncia que vai tocar as melhores do Barão Vermelho, mas avisa que ainda está
aprendendo e pede para relevarem seus errinhos. Todos concordam. Mike passa
duas boas horas na roda de familiares tocando e cantando, enquanto todos cantam
com ele. Mike agora é o violonista da família. Ele agora também comprou um
Peugeot 206 com suas economias. É seu primeiro carro e ele agora
não depende mais de ônibus. Mike já tem suas novas resoluções de ano novo, mas
essas são secretas e ele não as revela a ninguém.
Também é dezembro para você!
Feliz ano novo! Você chega na casa dos familiares, mas é impossível que não
notem as olheiras que você agora carrega devido àquelas horas extras no
trabalho para que sobrasse um dinheirinho no fim do ano. Os quilinhos a mais também são flagrantes, mas todos compreendem que sua vida não tem sido fácil, é natural. Você
mal pode esperar pelo Chester, mas ele acabou de entrar no forno, e agora você tem
que conversar com sua avó que só sabe reclamar da vida e falar sobre a novela
das 9. O ano vira, as taças viram, a cabeça vira e afoga na mistura de vinho e champagne as suas
novas resoluções que ainda nem haviam nascido. Feliz ano novo.