Uma das coisas que mais fazem minha cabeça girar é ler que determinada
obra de ficção ou produção artística é “pretensiosa.” Filmes, álbuns de música,
pinturas, tirinhas de jornal, livros, posts de blog. Nada escapa dos
apontadores dessa suposta pretensão artística, que aparentemente (se existente) é
um mal a ser combatido e expurgado da boa vida de bons costumes e bons clichês.
Da vida de seguranças infinitas e
confortáveis que não deve ser abalada em hipótese alguma.
Mas vamos tentar analisar melhor a questão. Qual seria o
real sentido (o lógico, por assim dizer) de definir algo criado a partir de
reflexões, inspirações, trabalho duro (ou até mesmo ao correr da pena, não
importa) como pretensioso? O que é “pretensioso”?
Seu Aurélio diz que significa “vaidoso, soberbo, presunçoso,” adjetivos
comumente direcionados a pessoas, seres capazes de sentirem que "são mais do que
realmente são", indicando que a pretensão não seria da obra, mas sim do autor.
Dá pra perceber esse embate com escritores/diretores de filmes que possuem uma proposta diferenciada, que experimentam novas formas de emitir sentidos e
tenta deixar de lado um pouco O Grande Livro dos Clichês, tão amado por outros. Esses serão os que alguns chamarão de pretensiosos. O que ele pretendeu expressar
com sua arte será imediatamente percebido por alguns como “passo maior que a
perna”, uma tentativa vã de escapar das prescrições quase vernaculares daquele
gênero, que aparentemente é uma verdade não escrita e que aquele artista teve
a petulância de ignorar.
Lars Von Trier seria então o rei dos pretensiosos. Seu filme
Dogville (2003) é um cujos cenários são feitos como os de peças teatrais: não
existem paredes, não existem tetos e nem mesmo portas. Apenas marcações nomeadas no chão indicando
o que é o quê. Os personagens abrem portas imaginárias e agem como se vissem o que não pode ser visto. À princípio uma mera escolhe estética que, a bem verdade é sim ousada,
acaba gerando ao filme automaticamente o status de “filme pretensioso, não
gostei”. Não importa o quão boa a trama
seja, não importam os diálogos – já foi decidido que o filme é pretensioso por
não possuir casas verossimilhantes e prontocabô. “Bota aí aquele Bastardos
Inglórios, esse sim é filme bom de verdade.”
Dogville em toda sua pretensão |
Outro exemplo de “pretensão” é o álbum Frances The Mute, da
banda de rock progressivo The Mars Volta, que é repetidas vezes taxado dessa
forma internet afora. O álbum de cinco músicas, quatro delas possuindo mais de 12 minutos de
duração (sendo uma de 30 minutos) sem dúvida alguma é diferente do que alcança
as massas. Músicas de uma grande complexidade não familiar, que possuem mais camadas
de instrumentos do que se ouve comumente e de três a dez vezes mais compridas do
que o rádio se sente confortável de tocar. “Ah, esse álbum é pretensioso demais. Master of Puppets é muito melhor.”
Até a capa desse álbum é pretensiosa |
Qual o grande receio, afinal de contas? Uso a palavra “receio”
pois quem ataca, provavelmente está se defendendo de algo antes de qualquer
coisa. Seria então esse medo direcionado ao desconhecido, novo, intimidador? Direcionado
ao que não se importa de ter identidade, frente a um mar sem sal de produções sem
rosto, sem expressões e sem diferencial? Existiria uma espécie de polícia dos
bons costumes de produção que dita o que é válido e o que é presunçoso demais
pros gostos acostumados a não esperarem uma variável na solução? Me desculpem
os conservadores da arte, mas considero que o vocalista da banda que mencionei reitera
de forma sem par o que venho tentando dizer com esse texto pretensioso: ““Progressivo”
não é uma má palavra pra nos definir. Se você não está progredindo, está
estagnado. E isso não é forma
de se viver."