sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Estudo sobre os andantes para a comunidade dos pombos, capítulo 2


           Olá, prezados leitores que tanto estimo! Estou de volta para dar continuidade ao meu (ao nosso) estudo sobre os andantes, com base em observações que pude realizar ao longo da vida e, também, em observações mais detalhadas que realizei ao longo de uma semana. O capítulo de hoje traz relatos de algumas peculiaridades bem interessante dessa espécie que não cansa de me surpreender. Avante, amigos!
                    Dr. Pombsovski


Capítulo 2: Interação.

          Como bem sabemos, os andantes são criaturas sociais (muito mais do que nós). Eles dependem uns dos outros para prosperar e perdurar, o que pode ser comprovado pelo fato de morarem em comunidades de tocas, frequentemente carregarem outros andantes em seus casulos móveis, necessidade de comunicação com outros andantes e vários outros motivos. Grande exemplo dessa sociabilidade é a forma com que eles interagem: em várias ocasiões pude notar um andante estender a pata para outro, este segundo prontamente a pata do primeiro e fazendo movimentos para cima e para baixo com sua pata. Já pude observar, também, um andante ir até outro com os membros superiores abertos e fechando-os em torno de outro andante, que faz o mesmo (aparentemente, esse é um tipo de interação conhecido e esperado por ambas as partes). Ainda mais instigante é a forma com que andantes de sexos opostos encostam o bico na face ou até mesmo no bico do outro andante.
        Não posso afirmar com certeza os motivos por trás desses comportamento que acabo de descrever, mas deduzo que cada um tenha um efeito diferente. O encontro de patas provavelmente serve para demonstrar que um confia suficientemnte no outro para descartar a possibilidade deste carregar infecções mortais que possam ser transmitidas, assim estendendo sua principal fonte de contato com o mundo externo (as patas superiores) a esse outro andante. O movimento de cima-e-baixo funcionaria como uma forma de melhor espalhar a infecção entre as partes, caso esta exista. Quanta confiança!
Encontro de troncos
         O encontro de troncos, como costumo chamar, por sua vez, é ainda mais instigante. Qual motivo poderiam ter os andantes para esfregarem seus troncos, justamente onde órgãos vitais de grande importância são (provavelmente) encontrados, uns com os outros? Indo mais além, por que eles ainda se fecham como um cadeado por um breve momento, impedindo o desvencilhamento de ambas as partes? Minha hipótese é de que isto sirva para compartilhar calor corporal. As peles dos andantes, por serem tão irregulares (andantes mudam de pele diariamente, exibindo plumagens de cores variadas e que cobrem diferentes partes do corpo por vez), provavelmente não dão conta de mantê-los aquecidos durante todo o dia e por este motivo alguns andantes compartilham calor corpóreo com outro andante conhecido (dado o alto risco do ato) quando sente a necessidade de eliminar o déficit de aquecimento corporal.
           Em relação às bicadas eu não consegui chegar a uma hipótese única. No entanto, visto que as bicadas ocorrem somente entre andantes de sexos opostos (pelo que eu pude observar, é possível que andantes do mesmo sexo também se biquem), seriam elas uma forma de aproximação entre os andantes, de forma a aumentar a intimidade de um com o outro? Indo mais além, seriam as bicadas uma forma de assegurar que aquele indivíduo é o melhor parceiro para o acasalamento? Dúvidas sobram, certezas são escassas, e assim caminha a ciência. Continuarei com minhas pesquisas a fim de chegar a alguma conclusão mais convincente, amigos. 
As bicadas podem ter outros usos desconhecidos, afinal
     No capítulo de hoje demonstrei algumas das formas principais de interação física dos andantes e especulei os possíveis e/ou prováveis motivos por trás de um deles, o que aponta diretamente para a grande complexidade dessa espécie, algo que nós pombos não éramos capazes de enxergar com uma clareza até hoje. Me sinto orgulhoso de mim mesmo, amigos. Mas meu trabalho não para por aqui! No próximo capítulo vamos tentar entender o que são os pedaços de papel que por algum motivo são mais importante para os andantes do que os que papéis que vemos jogados pelo chão todos os dias em grandes quantidades. Até lá, companheiros!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Estudo sobre os andantes para a comunidade dos pombos, capítulo 1


        Olá, caros amigos. Atendendo a pedidos e também a uma forte vontade pessoal de entender essa espécie tão instigante com a qual convivemos, os andantes, elaborei este pequeno relatório dividido em sete capítulos, onde descrevo as características mais marcantes da espécie. Os andantes, essas criaturas complexas e misteriosas às quais emprestamos nosso território, são pacíficos e organizados, mas muitas dos motivos por trás de suas atividades e costumes permanecem um mistério para nós, questão com a qual tentarei contribuir através desta publicação. Desejo a todos uma excelente leitura!

          Dr. Pombsovski


Capítulo 1: Moradia e locomoção

     Do alto do tronco cinza sobre o qual vivo é possível observar andantes durante todo o decorrer da lua. Posso observá-los desde o momento em que saem de suas tocas, ou cavernas, até o momento em que retornam a elas, e também muito do que fazem nesse intervalo, que pode variar amplamente em duração. Para este estudo, escolhi uma família compreendida de três membros (pai, mãe e filhote) para analisar, como meio de facilitar ou até mesmo possibilitar a pesquisa. A família será melhor estudada em capítulos futuros, estando o capítulo atual dedicado a uma visão mais geral da espécie. Mas de qualquer forma, esta é ela:

Em relação à moradia, esta é muito peculiar. Em sua maioria, os andantes vivem em uma espécie de comunidade vertical, onde aparentemente várias tocas existem próximas umas das outras. A entrada e saída, no entanto, é uma só para todas as tocas. Acredito que o motivo por trás dessa reunião seja o melhor compartilhamento de recursos, como caça e colheitas, e também uma forma de impedir o furto desses recursos, seja por outros andantes de comunidades próximas ou alguma outra espécie. Aqui uma foto desta impressionante comunidade de andantes à qual me refiro (direita):

A comunidade de tocas parece abrigar também casulos de locomoção, como costumo chamá-los, e que me fascinam enormemente. São espécies de exoesqueletos que os andantes utilizam para se locomoverem mais rapidamente e também para proteção, acredito, visto que parecem realmente resistentes, e esses casulos são provavelmente confeccionados pelos andantes no interior da comunidade de tocas. Alguns andantes, no entanto, parecem não possuir casulos (seja por questão hierárquica ou de poder) e precisam parasitar casulos que já se encontram em circulação no mundo exterior. Sinto um pouco de pena dos andantes que tiveram seus casulos invadidos e infestados por outros, tornando o casulo extremamente inchado, forçando-os a parar a cada dois minutos aproximadamente, provavelmente devido ao excesso de peso. A seguir uma foto de um triste caso de infestação de casulo alheio:
 Os andantes, devido ao seu grande porte e visão frontal são provavelmente predadores e sobrevivem de caça e do colhimentos de recursos, que, como dito anteriormente, são divididos entre todos em suas comunidades de tocas. Mas eles devem ser péssimos caçadores porque geralmente voltam para suas tocas de patas vazias, apesar de passarem várias horas da lua em busca destes recursos. Mas algumas vezes eles voltam trazendo ditos recursos, que escondem de outros membros da espécie em um tipo de tecido opaco que também parece facilitar o transporte. Algumas vezes os andantes colocam esses tecidos opacos em seus casulos de locomoção para garantir que os recursos não sejam perdidos e que cheguem mais rapidamente às suas tocas. É realmente inteligente da parte deles.
         Isto é tudo por hoje, minha amada comunidade. No próximo capítulo relatarei a forma com que os andantres interagem fisicamente entre si, algo que me fascina de forma indescritível. Até lá, amigos!

domingo, 4 de agosto de 2013

Encarcerado




Vivemos em cárcere.  Nosso espírito (que sim, existe) tem vontades, tem desejos profundos e não conhece limites e nem dificuldades. Angústia, medo, incertezas não fazem parte dele. Nosso espírito é determinado, mas não entende que suas opções são pré-determinadas e pré-limitadas. Ele também vive dentro de um corpo, e esse corpo é defeituoso em sua natureza e é o cárcere do nosso espírito. Não só cárcere, como também torturador, vetando desejos, ditando regras e esmagando a liberdade desse espírito que, sem opções, acaba contentando-se com os confins de sua gaiola.

Nosso espírito nunca se abnega de suas vontades, mas sujeita-se às vontades desse corpo demasiada e desnecessariamente complexo. Para que respirar, para que alimentar-se, dormir? Ou mesmo andar. "Voar seria tão mais prático! Quanta burocracia!" Esse espírito gostaria mesmo é de atingir picos de montanhas num piscar de olhos, de ter o que deseja agora, e não aos 30 ou 40 anos de idade, quando o dono do corpo irá, talvez, conseguir reunir dinheiro suficiente para arcar com tais desejos. Esse fluido de temperamento forte e cheio de vontades não entende que existem limites físicos e sociais ao nosso redor que insistem em impedi-lo de ter suas vontades saciadas. Insiste em não entender que é preciso trabalhar e estudar a fim de alcançar objetivos a médio e longo prazo.

“Perda de tempo! Me tirem daqui, por favor...”, grita esse espírito enquanto dá murros, que vão ficando cada vez mais fracos, contra as grades de ferro dessa cadeia dissimulada. Dessa cadeia que, regrando, selecionando e vetando a maior partes desses desejos “impossíveis”, traz descontentamento ao nosso pobre, pequeno e solitário espírito, que acaba por se contentar em sentar-se num canto qualquer de sua cela e ler uma revista de 1997 sobre qualquer coisa com um evidente semblante de frustração.

Mas a esse espírito são dadas algumas regalias de tempos em tempos devido a seu bom comportamento. O carcereiro irá em qualquer tempo chegar a sua cela e lhe dar roupas, outros bens materiais, talvez alguma viagem. Mas nada disso basta para ele, que quer não bens, mas tudo. A esse espírito que quer viajar no tempo, que quer voar e ler mentes. A esse espírito que gostaria de ter tudo para si a seu bel-prazer, e não contar com visitas irregulares de um carcereiro que tenta passar a imagem de justo e bondoso mas que não passa de uma velhinha dando migalhas a pombos que gostariam mesmo é de ter todo o saco de pães que ela segura.

E assim segue nosso espírito até seus momentos finais, que coincidem com a demolição da cadeia. Isso acontecerá depois de uns 70 ou 80 anos (talvez um pouco mais, com um pouco de... “sorte”). Não há possibilidade de rebelião, visto que ele é o único prisioneiro ali e não há a possibilidade de cavar um túnel, pois a cadeia é definitiva e inescapável. Uma vez destruída, seu prisioneiro sucumbe junto a ela, sem ter realizado ao menos uma fração ínfima de tudo que gostaria de fazer mas nunca pôde, por ter tido a infelicidade de nascer encarcerado.   

Supermercado



  

Manhã tranquila de quarta. Acordar tarde, matar um tempo na internet, sair pra tirar um dinheiro no banco. E comprar milho de pipica pra micro-ondas; não poderia me esquecer disso. A pipoca de micro-ondas. E o mundo é engraçado. Por todo o caminho, pessoas conversam, vivem e não fazem segredo disso. Pessoas interagem e o fazem em voz alta, quase como se não pudessem conter a alegria de ter uma vida normal, onde tarefas do cotidiano não são apenas rotina, mas uma satisfação inconsciente. 

Chego ao supermercado e observo mais disso, com inigualável, porém discreta, contemplação. Um empacotador pratica golpes de tae kwon-do, que possivelmente aprendeu em seu dojô na semana anterior, em seu colega de trabalho, que o olha com cara de “esse doido é meu amigo”.  Enquanto isso, uma velhinha com o semblante mais pacífico atravessa o portão do local com sua mochila de rodinhas a 2km/h, enquanto outra mulher, muito mais energética e decidida, força a entrada de uma bolsa de pano em seu carrinho de compras com a ajuda de seu parceiro. 

Entro no supermercado e fico abismado com a magnitude do local (note que não é comum para mim ir às compras da casa). Um shopping center, quase. Pessoas se atravessam como flechas intocáveis, trabalhadores operam como máquinas de uma montadora multinacional em meio ao ar frio, porém agradável, do ar condicionado. E as conversas permeam todo esse caos organizado, tão organizado quanto as prateleiras do supermercado. Ora falam da partida de futebol da noite anterior, ora falam sobre os ovos de páscoa que seus parentes adorarão receber. Ora falam sobre qual marca de tempero preparado é melhor, ora sobre como a pessoa do outro lado do celular não atende. Uns mexem em seus tablets como alheios ao local, outros pesam as batatas como habitantes dele. 

"Mas onde está o maldito milho de pipoca de micro-ondas?", eu me pergunto. Pergunto a um, a dois empacotadores. Um me indica a direção nordeste, e eu sigo. Sem sucesso, logo faço a mesma pergunta a uma segunda empacotadora (que gentilmente pergunta a um terceiro) sobre o prezado milho de pipoca de alguns trocados. Ela então, tendo obtido a resposta, com um sorriso no rosto, me indica a mesma direção. “Não segui esse caminho por tempo suficiente”, penso comigo mesmo, e então agradeço. Chego lá e me deparo com uma parede de tipos de milho de pipoca (nem sabia que existiam tantos!) e com a sensação de missão cumprida, sigo para o caixa, cuja atendente está mal-humorada e desanimada. Será que brigou com o namorado e não conseguiu dormir? Não sei; o que sei é que como ela, muitos outros seguem suas individualidades na rotina de suas vidas, que por vezes pode ser muito recompensadora pelos menores e mais desconhecidos motivos.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Relato sobre a minha morte



Hoje foi o dia em que morri. Mas calma, vou explicar: morri, porém em uma dimensão paralela, não nessa. Tive a visão de meus últimos momentos de vida, no momento em que ocorriam, em uma das incontáveis dimensões existentes, e honestamente não sei o que ocasionou a bipartição entre a dimensão de que escrevo neste momento e a em que morri. Mas elas se dividiram, já que em uma eu morro e na outra meu dia segue normalmente e não ocorre morte. Narrarei a história da perspectiva em primeira pessoa para fins de fidelidade, até porque quem morreu fui eu.

Terça feira, 16:30h. Pego o ônibus para a faculdade, como de rotina. Busco um assento próximo à janela e me sento no primeiro que vejo. Um homem muitíssimo mal encarado e de aspecto um tanto quanto desequilibrado, camisa polo roxa e calças jeans, para próximo ao assento livre ao meu lado e me olha por uns instantes com desconfiança, talvez marcação gratuita. Finalmente o homem se senta, mas ele claramente não foi com a minha cara por algum moivo que eu nunca saberei.

Eu estava um pouco paranoico com aquilo, pois o homem claramente tinha um problema comigo. A paranoia se mostrou justificável, visto que em poucos segundos o sujeito sacou uma faca de cozinha, daquelas de cabo laranja com deformações de queimaduras de fogão, e cravou num movimento súbito entre as minhas costelas. Não tive reação. No momento, tudo que senti foi um aperto no peito e meu coração palpitando como nunca antes. Como reflexo, talvez, eu agarrei o braço dele com a minha mão, que se fechou como um cadeado, fazendo com que ele tivesse problemas pra se desvencilhar de mim. Assim que o fez, gritou para que o motorista “parasse o ônibus agora que ele ia descer”, e desceu. O som dele descendo os degraus me marcou naquele momento por motivo nenhum.

Meu sangue era escuro. Nos filmes, o sangue sempre é bastante claro, e ver que o sangue na realidade é pelo menos três vezes mais escuro causou certa surpresa em mim. A essa altura, as pessoas já estavam me olhando com semblante de horror, empatia, algumas até de puro desespero. Eu já nunca gostei de ser o centro de atenções, ainda mais na hora da minha morte.  Se eu tivesse forças, eu juro que pediria educadamente para me deixarem sozinho. Mas não tinha. Minha camisa preta me impediu de ter uma noção clara do ferimento e do sangramento, mas era razoavelmente lógico que aquilo não era nada bonito. O banco do lado estava começando a ser preenchido com o sangue que escapava por debaixo da minha camisa, por cima do topo das calças. Era um fluxo contínuo, e aquela visão não melhorou particularmente o meu estado mental.

Se bem que, na verdade, tudo naquela situação contribuía para meu desespero, mas ele não aconteceu. Eu fiquei calmo durante todo o processo de morte. Achei até interessante, pois fiz algumas descobertas. Descobri, por exemplo, que numa situação dessas ocorrem calafrios de forma periódica, com curtos intervalos entra cada um. Descobri também que a dor logo passa, sendo a ideia de deixar de viver a pior parte da morte. Nossa fisiologia também funciona de forma semelhante enquanto estamos para morrer. Nosso cérebro bloqueia odores após algum tempo para que possamos nos focar em novos, e isso aconteceu mesmo em meio àquela situação, visto que em pouco tempo eu já era incapaz de sentir o forte cheiro de ferro que emanava do sangue, que a essa altura já havia formado duas poças: uma no banco ao meu lado e uma no chão, que havia se formado sob meus pés.

Uns três minutos após ser perfurado com a faca de loja de “R$1,99” eu já estava começando a perder a sensibilidade de forma generalizada. Visão e audição me abandonavam simultaneamente, aos poucos. Meus óculos não deram conta de corrigir minha visão ali, e tudo já estava embaçando, e aos poucos, dobrando também. Mal conseguia identificar rostos a esse ponto, mas sabia que haviam no mínimo dez deles olhando diretamente para a minha bagunça sangrenta, para o meu estado de total decadência moribunda. Nesse momento eu voltei meu rosto para a janela e observei tudo com admirável comtemplação. Era, afinal, uma despedida de tudo que eu conseguia ver através daquela moldura de ferro, borracha e vidro.  Eu sabia que nunca mais veria carros, pessoinhas andando despreocupadas, árvores ou semáforos. Sabia que meu conhecimento daquelas coisas se perderia para todo o sempre em questão de minutos.

Minha audição também já estava muito, muito mais pra lá do que pra cá. Parecia que haviam colocado um balde sobre minha cabeça, tão distorcidos estavam os sons ­– lamentos e murmúrios dos abutres. O motor do ônibus já estava desligado, o que era justificável já que tanto o cobrador quanto o motorista estavam ali de pé também me olhando. Reconheci pelos uniformes.

“Por que ninguém chama uma ambulância, meu Deus?” berrou uma senhora, claramente desestabilizada. “Tão novo...” escapou não sei de onde, não sei de quem. “Fátima, você tá pisando no sangue!” me fez rir um pouco por dentro, devo admitir.

Sim, por dentro. Não teria forças pra esboçar o mais discreto dos sorrisos após os cinco minutos que calculo que tenham se passado até ali. Minha visão já estava seriamente prejudicada e tudo estava escurecendo muito rapidamente. Parecia que alguém havia apagado as luzes de uma loja de departamentos, onde o lugar vai escurecendo gradualmente, liberando aqueles estampidos característicos. Senti nesse ponto uma extrema fraqueza e pouco depois tombei para frente, batendo forte com o rosto, de lado, na proteção amortecedora do banco dianteiro. Minhas últimas sensações foram um “já era, já era” de um rapaz e o grito agudo de susto e desespero de uma moça, assim como o cheiro azedo da borracha velha e desgastada.

Foi dessa forma patética que eu morri nessa dimensão paralela. Passou na televisão e tudo mais, o que eu achei bastante desmoralizante e desnecessário, principalmente para meus familiares e amigos. Seria melhor saber do ocorrido através de pessoas conhecidas do que pela mídia sensacionalista que adora sapatear nas desgraças alheias; tão ou mais abutres que os abutres que fizeram meu velório improvisado no ônibus, comigo ainda vivo.

Mas está tudo bem! Tudo isso aconteceu em uma outra dimensão, e eu honestamente espero que ainda se passe um bom tempo antes do Boris de uma outra dimensão qualquer narrar a minha morte nesta. E que eu não morra de velhice para pelo menos meus momentos finais renderem um texto agradável de ler depois da faculdade.