David Lynch |
Não é novidade para muitos de meus amigos que eu sou cinéfilo de carteira assinada. E nem deveria ser, mesmo.
De uns anos pra cá eu venho tendo um interesse aumentado em filmes
(principalmente aqueles que todos viram, menos eu) e assim eu conheci o
diretor que veio a ser o meu preferido, sem nenhum segundo colocado por perto,
David Lynch. Não que ele seja estupidamente famoso ou popular entre os
brasileiros, ou mundialmente, mas algum vento aleatório do oeste me levou a conhecer esse
diretor que eu considero um divisor de águas não só na minha vida de cinéfilo,
mas na minha vida de forma geral. Sim, uau.
Tudo começou
quando eu decidi assistir a um filme chamado Eraserhead, de 1977 (foto abaixo) por ter ouvido um amigo falar sobre ele e também
por tê-lo visto encabeçar uma lista online de filmes “mindfuck”, os quais sempre me
atraíram bastante. Matemática simples, um mais um é igual a "vamo ver qual é a desse filme". Meu. Santo e
imaculado. Deus. O que foi isso que eu acabei de assistir? O que foi essa
combinação bizarra de objetos estranhos, terror corporal, músicas macabras
(porém melodiosas), filmagem em preto-e-branco e sensação constante de suspensão
que me deixou aterrorizado e em extremo desconforto por cerca de 1:30h? O que, em nome de todos os seres mitológicos já documentados, foi isso? Eu realmente não sabia. Mas sabia que aquilo era algo que eu nunca
havia visto antes e mesmo sem saber se havia gostado ou não do filme, eu já
amava aquela obra (what?). Mas não assisti de novo por um tempo, em vez disso decidi
assistir a um outro filme da lista dos “mindfuck” que estava bem cotado, chamado
Mulholland Drive, que, para minha grande
surpresa foi escrito e dirigido também, por ninguém mais senão David Lynch.
Eraserhead |
E essa foi a
minha divina perdição. Mas eu não entendi o filme, de novo. Mas pera lá você
aí, leitor aleatório que adora dizer que todo fã de David Lynch é retardado por
gostar de filmes que não entende! Pera lá. Eu não entendi na minha primeira
assistida, na qual o filme não fez o menor sentido. Porém, ao rever aquele
filme eu fiquei em completo estado de... êxtase. Eu não consguia acreditar na
amplitude, nível de profundidade e sensibilidade que foram inseridos naquele
filme. E mesmo, agora, tendo entendido a história-base, muita coisa ainda não
fazia sentido ou parecia “solta” no filme, e lá fui eu desbravar os confins da
internet por respostas. Acabei descobrindo mais do que gostaria e decidi
assistir o filme uma terceira vez para descobrir mais coisas por conta própria.
Com o perdão do quase exagero, eu me senti numa onda de heroína ao conseguir juntar tantas
peças que antes pareciam flutuar pelo filme e montar o meu próprio
quebra-cabeça cinematográfico em minha mente. Foi, verdadeiramente, uma
conquista pessoal e marcou aquele filme como o melhor que já vi até o momento atual de meus vinte anos de estadia no planeta.
Mulholland Drive |
Daí eu não
parei mais, e nem conseguiria se tentasse. Eu estava obcecado, eu estava sedento de mais
quebra-cabeças. Mais labirintos mentais-audiovisuais, algo que conseguisse me
fascinar antes mesmo de eu formular algum esboço de interpretação, antes mesmo
e eu juntar as duas primeiras peças do quebra-cabeça lynchiano (algumas vezes
isso não chegou a acontecer, e eu não me importo). Como aconteceu com o
terceiro filme do Lynch que eu assisti, Lost
Highway. Obs.: Cabe aqui um detalhe sobre esse texto: não entrarei em detalhes
sobre cada filme individualmente aqui, esse post é sobre os filmes como um
conjunto, sobre o que diferencia o Lynch de outros cineastas, na minha humilde
opinião, é claro. Provavelmente criarei posts futuros sobre alguns dos filmes de
forma individual (algumas análises um tanto quanto parciais, já lhes adianto). Voltando ao
tópico. O filme Lost Highway não fez nenhum sentido pra mim e eu fiquei com cara de paisagem ao ver
os créditos subindo numa hora incoveniente (achei que alguma explicação fosse ser
dada; santa ignorância). E fui ver de novo. E de novo. E mais uma vez. Nada,
nothing, null. O filme ainda não fazia sentido completo para mim, mas isso não
me desencorajou de ver filmes do Lynch, pelo contrário. Eu tomei isso como um
desafio pessoal (you’ve won this time!).
Cena do filme Inland Empire com os coelhos |
E segui assistindo
outros filmes: Inland Empire, Blue
Velvet, Wild at Heart, Twin Peaks: Firewalk With Me, Elephant Man (apenas
dirigiu). Todos, absolutamente
todos, provocaram aquele efeito que tanto me atrai nos filmes do Lynch. Estranheza,
uma música esporádica tocada no órgão, a sensação de falta de direção que os
personagens às vezes passam, assim como uma depressão com a qual eles lidam bem
e, principalmente, personagens, cenas e eventos que aparentemente não fazem o
menor sentido dentro do filme e que são geralmente extremamente bizarros. Isso me
traz à mente algumas cenas. Como por exemplo uma do filme Inland Empire, onde um programa de humor de clima sombrio mostra pessoas
vestidas de coelho (pai, mãe e flho) que estão numa sala, a mãe passando roupa
e os outros dois sentados no sofá. A atmosfera gera angústia. A músicas é
macabra, e sempre que a mãe diz algo, a plateia ri descontroladamente, e as
risadas cessam de forma abrupta após uns dois segundos. É praticamente
insuportável assistir a essa cena (que se repete algumas vezes ao longo do
filme, com pequenas modificações nos diálogos). É incrível, é indescritível.(foto)
Mas não
pense que todos os filmes do diretor guardam a história central sob 7 chaves.
Alguns “entregam” a história normalmente (como Blue Velvet), o que vai ficar em segredo são alguns eventos que ocorrem
durante esses filmes, que não são explicados. Eles simplesmente acontecem (mas
é melhor quando todo o filme “simplesmente acontece”, como ocorre com Inland Empire, Lost Highway e Eraserhead) e você
é deixado com uma batata morna nas mãos. Sim, morna. Não tem problema se você
não entender a cena ou o filme, você provavelmente não vai precisar e nem querer
se livrar da batata. Pelo contrário, seu instinto será o de cuidar dela,
examiná-la com um microscópio, fazer pequenas incisões e tentar descobrir sua
misteriosa natureza, que certamente não está nem perto da superfície, enquanto o vapor de seu interior emana e você se sente cada vez mais instigado a
resolvê-la por completo. Assim são os filmes do David Lynch. Em grande parte
abstratos, misteriosos, catárticos (não da forma que você espera, vide Wild at Heart), e que te deixam
instigado em níveis poucas vezes vistos no cinema. Um diretor que dá a liberade
de seus filmes acontecerem espontaneamente, sem forçá-los a revelar sua identidade secreta.
Filmes que vivem, respiram e inspiram por serem reais, por serem o que são.
Quem puder entendê-los, em qualquer sentido da palavra, os acompanha, e quem não, favor não bloquear o caminho.