quarta-feira, 29 de maio de 2013

Você conhece David Lynch?

David Lynch
Não é novidade para muitos de meus amigos  que eu sou cinéfilo de carteira assinada. E nem deveria ser, mesmo. De uns anos pra cá eu venho tendo um interesse aumentado em filmes (principalmente aqueles que todos viram, menos eu) e assim eu conheci o diretor que veio a ser o meu preferido, sem nenhum segundo colocado por perto, David Lynch. Não que ele seja estupidamente famoso ou popular entre os brasileiros, ou mundialmente, mas algum vento aleatório do oeste me levou a conhecer esse diretor que eu considero um divisor de águas não só na minha vida de cinéfilo, mas na minha vida de forma geral. Sim, uau.

Tudo começou quando eu decidi assistir a um filme chamado Eraserhead, de 1977 (foto abaixo) por ter ouvido um amigo falar sobre ele e também por tê-lo visto encabeçar uma lista online de filmes “mindfuck”, os quais sempre me atraíram bastante. Matemática simples, um mais um é igual a "vamo ver qual é a desse filme". Meu. Santo e imaculado. Deus. O que foi isso que eu acabei de assistir? O que foi essa combinação bizarra de objetos estranhos, terror corporal, músicas macabras (porém melodiosas), filmagem em preto-e-branco e sensação constante de suspensão que me deixou aterrorizado e em extremo desconforto por cerca de 1:30h? O que, em nome de todos os seres mitológicos já documentados, foi isso? Eu realmente não sabia. Mas sabia que aquilo era algo que eu nunca havia visto antes e mesmo sem saber se havia gostado ou não do filme, eu já amava aquela obra (what?). Mas não assisti de novo por um tempo, em vez disso decidi assistir a um outro filme da lista dos “mindfuck” que estava bem cotado, chamado Mulholland Drive, que, para minha grande surpresa foi escrito e dirigido também, por ninguém mais senão David Lynch.

Eraserhead
E essa foi a minha divina perdição. Mas eu não entendi o filme, de novo. Mas pera lá você aí, leitor aleatório que adora dizer que todo fã de David Lynch é retardado por gostar de filmes que não entende! Pera lá. Eu não entendi na minha primeira assistida, na qual o filme não fez o menor sentido. Porém, ao rever aquele filme eu fiquei em completo estado de... êxtase. Eu não consguia acreditar na amplitude, nível de profundidade e sensibilidade que foram inseridos naquele filme. E mesmo, agora, tendo entendido a história-base, muita coisa ainda não fazia sentido ou parecia “solta” no filme, e lá fui eu desbravar os confins da internet por respostas. Acabei descobrindo mais do que gostaria e decidi assistir o filme uma terceira vez para descobrir mais coisas por conta própria. Com o perdão do quase exagero, eu me senti numa onda de heroína ao conseguir juntar tantas peças que antes pareciam flutuar pelo filme e montar o meu próprio quebra-cabeça cinematográfico em minha mente. Foi, verdadeiramente, uma conquista pessoal e marcou aquele filme como o melhor que já vi até o momento atual de meus vinte anos de estadia no planeta.

Mulholland Drive
Daí eu não parei mais, e nem conseguiria se tentasse. Eu estava obcecado, eu estava sedento de mais quebra-cabeças. Mais labirintos mentais-audiovisuais, algo que conseguisse me fascinar antes mesmo de eu formular algum esboço de interpretação, antes mesmo e eu juntar as duas primeiras peças do quebra-cabeça lynchiano (algumas vezes isso não chegou a acontecer, e eu não me importo). Como aconteceu com o terceiro filme do Lynch que eu assisti, Lost Highway. Obs.: Cabe aqui um detalhe sobre esse texto: não entrarei em detalhes sobre cada filme individualmente aqui, esse post é sobre os filmes como um conjunto, sobre o que diferencia o Lynch de outros cineastas, na minha humilde opinião, é claro. Provavelmente criarei posts futuros sobre alguns dos filmes de forma individual (algumas análises um tanto quanto  parciais, já lhes adianto). Voltando ao tópico. O filme Lost Highway não fez nenhum sentido pra mim e eu fiquei com cara de paisagem ao ver os créditos subindo numa hora incoveniente (achei que alguma explicação fosse ser dada; santa ignorância). E fui ver de novo. E de novo. E mais uma vez. Nada, nothing, null. O filme ainda não fazia sentido completo para mim, mas isso não me desencorajou de ver filmes do Lynch, pelo contrário. Eu tomei isso como um desafio pessoal (you’ve won this time!).


Cena do filme Inland Empire com os coelhos
E segui assistindo outros filmes: Inland Empire, Blue Velvet, Wild at Heart, Twin Peaks: Firewalk With Me, Elephant Man (apenas dirigiu). Todos, absolutamente todos, provocaram aquele efeito que tanto me atrai nos filmes do Lynch. Estranheza, uma música esporádica tocada no órgão, a sensação de falta de direção que os personagens às vezes passam, assim como uma depressão com a qual eles lidam bem e, principalmente, personagens, cenas e eventos que aparentemente não fazem o menor sentido dentro do filme e que são geralmente extremamente bizarros. Isso me traz à mente algumas cenas. Como por exemplo uma do filme Inland Empire, onde um programa de humor de clima sombrio mostra pessoas vestidas de coelho (pai, mãe e flho) que estão numa sala, a mãe passando roupa e os outros dois sentados no sofá. A atmosfera gera angústia. A músicas é macabra, e sempre que a mãe diz algo, a plateia ri descontroladamente, e as risadas cessam de forma abrupta após uns dois segundos. É praticamente insuportável assistir a essa cena (que se repete algumas vezes ao longo do filme, com pequenas modificações nos diálogos). É incrível, é indescritível.(foto)


Mas não pense que todos os filmes do diretor guardam a história central sob 7 chaves. Alguns “entregam” a história normalmente (como Blue Velvet), o que vai ficar em segredo são alguns eventos que ocorrem durante esses filmes, que não são explicados. Eles simplesmente acontecem (mas é melhor quando todo o filme “simplesmente acontece”, como ocorre com Inland Empire, Lost Highway e Eraserhead) e você é deixado com uma batata morna nas mãos. Sim, morna. Não tem problema se você não entender a cena ou o filme, você provavelmente não vai precisar e nem querer se livrar da batata. Pelo contrário, seu instinto será o de cuidar dela, examiná-la com um microscópio, fazer pequenas incisões e tentar descobrir sua misteriosa natureza, que certamente não está nem perto da superfície, enquanto o vapor de seu interior emana e você se sente cada vez mais instigado a resolvê-la por completo. Assim são os filmes do David Lynch. Em grande parte abstratos, misteriosos, catárticos (não da forma que você espera, vide Wild at Heart), e que te deixam instigado em níveis poucas vezes vistos no cinema. Um diretor que dá a liberade de seus filmes acontecerem espontaneamente, sem forçá-los a revelar sua identidade secreta. Filmes que vivem, respiram e inspiram por serem reais, por serem o que são. Quem puder entendê-los, em qualquer sentido da palavra, os acompanha, e quem não, favor não bloquear o caminho.

sábado, 4 de maio de 2013

Subjacência





Uma professora de literatura inglesa dá uma aula sobre os movimentos proeminentes do século XVIII. 

Principais autores, principais sonetos e principais tendências. Seus alunos escutam com atenção.

O conteúdo é extenso e os ouvidos são atentos.

O conhecimento se manifesta através da voz da professora, que entra nos ditos ouvidos atentos de seus alunos, que o interpretam dali.

O som da voz é originado nas cordas vocais da professora, e é capturado pelas complexas estruturas auditivas de seus alunos.

A carga semântica do que é dito é originada de processos cerebrais da professora, e é consolidada pelos alunos também por processos cerebrais, porém diferentes.


Pausa.


O Neoclassicismo é o movimento preponderante da Inglaterra do século XVIII e autores como John Dryden foram representativos do período.

Tais manifestações um dia se encontraram no presente, e hoje estão enterradas por camadas e mais camadas de décadas.

O conhecimento perdurou e é transmitido ainda hoje.


Pausa.


Os processos cerebrais responsáveis pela retenção e transmissão do conhecimento da professora são originados por sinapses neuronais. O mesmo pode-se dizer da retenção das informações pelos alunos.

Neurônios são neurotransmissores formados por alguns millhões de células cada.

Células são formadas por duas centenas de trilhões de átomos cada.

Átomos são ocos.


Pausa.


O passado existiu.
O passado existe e
O passado perdurará.
Há ouvidos, olhos e bocas interessados em sua sobrevivência.
Há incontáveis células trabalhando para que isso aconteça.
Células são formadas por duas centenas de trilhões de átomos cada.
(Isso é 100 vezes o número de estrelas na Via Láctea)


Átomos contam histórias.
Átomos assimilam manifestações produzidas por outros átomos, como esta aqui.
Átomos permitem a perpetuação do conhecimento humano, num esforço muitas vezes minúsculo.


Pausa.


Uma professora dá aula de literatura inglesa.