domingo, 28 de junho de 2015

Ponto Cego

Enquanto meu corpo atravessa a roleta do metrô, a cabeça permanece no trabalho. Planilhas, desktop com o mesmo papel de parede, chefe indigesto, piadas constantes dos colegas. A cada dia que passa me pergunto mais se isso é realmente o melhor que posso fazer com metade do tempo que não passo dormindo. Na realidade, cravo uma batalha quase letal com a ideia de que, de fato, seja. Não é. Não pode ser.
O som do metrô chegando na estação evapora boa parte desses pensamentos instantaneamente. O anúncio de que estarei em casa em cerca de cinquenta minutos é como uma recompensa por ter sobrevivido a mais um dia naquele inferno empresarial. Finalmente terei a chance de ir pra casa e descansar um pouco. Gostaria apenas de não me sentir mal enquanto não estou na firma por não ser produtivo, mas acho que meu cérebro já virou algum tipo de macaco treinado de rua que só se sente bem trabalhando. Que vida.
Entro no vagão e não me surpreendo com o fato de não haver nenhum lugar livre para me sentar. Na realidade, surpresa seria se houvesse. Acho que devo me considerar sortudo apenas pelo fato do metrô não estar estupidamente lotado. Recosto-me a uma parede qualquer, que tem a cara da depressão e do cansaço, apesar da propaganda extremamente colorida e alegre daquela grande rede de supermercados. Coloco a maleta entre os pés e tento me desligar um pouco da realidade para tentar fazer com aqueles quarenta minutos de viagem se transformem em dez, ou talvez vinte. Qualquer redução já seria lucro, pra ser honesto.  
Algumas estações à frente, como de costume, surge a oportunidade do descanso. Sento-me no banco mais próximo de mim, deito a maleta ao colo e é quase possível sentir, nesse momento, os músculos de todo o meu corpo se relaxando e minha mente se esquecendo de que existe. Após alguns momentos assim, porém, uma menina entra correndo quando o metrô para numa estação qualquer e sequestra minha atenção. Ela voa em direção ao banco vazio entre a senhora que parece ainda mais cansada do que eu e o rapaz com um Beats nos ouvidos, provavelmente viajando numa dimensão diferente da nossa. Quando ela finalmente se senta a partir de um salto, como se aquilo fosse uma grande conquista pessoal – se bem que, pensando melhor, eu até que me identifico com a sensação –, percebo que seus pais estão com ela e, por andarem em velocidade normal, só agora a alcançaram.
– Stephane, me diz: pra que correr tanto? – reclama a mãe.
– Bebê, você sabe que não é pra fazer isso, né? Você podia ter se machucado feio – diz, bem mais calmo, o pai. – E agora levanta pro senhor cego ali se sentar, vamos.
– Mas pai! Tem um lugar ali pra ele! – ela aponta com um bico e inclinando o corpo pra frente, o lugar a que se referia.
O homem cego em questão devia ter uns sessenta anos, era negro e tinha dreadlocks que iam quase até sua cintura. Usava uma jaqueta de cor caramelo, uma calça cargo verde e sapatos mocassim pretos. Ele se encontrava em pé segurando-se à haste de metal vertical, segurando também sua bengala. Apesar do banco vago e de todos ao seu redor insistindo para que ele se sentasse naquele lugar que alguém prontamente liberara para ele, o cego preferia permanecer de pé. Todos já pareciam – relutantemente – de acordo com sua decisão, com exceção do homem que estava sentado ao lado da banco vazio. Ele devia ter uns cinquenta anos, era pardo e tinha rosto de quem trabalha muito, e pesado, mas a feição alegre e toda aquela energia positiva pareciam apontar na direção oposta. Vestia uma camisa do flamengo, bermuda branca e chinelos havaiana azuis. Quando menos espero, ele, que acompanhava a comoção de perto, se levanta e vai de encontro ao cego. Ao chegar ao lado dele, começa:
– Senta ali, meu parceiro. Tem lugar. A moça ali levantou pra você, né, moça? – diz o flamenguista, buscando o olhar da mulher que cedera o lugar, como que esperando que o cego também olhasse para ela.
– Não, não precisa, não. Tô bem aqui, obrigado – o cego se manifesta, finalmente, com um sorriso sem graça de quem está recebendo mais atenção do que gostaria.
– Que isso, meu parceiro! Vamo lá, vai ficar aí em pé, não; cê pode se acidentar. Vem, eu te ajudo – diz o outro, já segurando o cego pelo braço e tentando puxá-lo para o banco livre. A essa altura o homem cego não pareceu ter muita escolha que não seguir a sugestão um tanto quanto compulsória, porém bem intencionada, do outro homem. Provavelmente já havia se acostumado com pessoas dividindo o mar vermelho para oferecer uma ajuda de que muitas vezes ele nem mesmo precisava. E foi com ele.
– E aí, meu amigo, pra onde você tá indo? – pergunta o flamenguista quando os dois se sentam.
– Vila Isabel. Tô indo visitar minha filha e o filho dela; meu neto. Nasceu essa semana – replica o cego, ainda um pouco desconfortável.
– Ô loco, de verdade? Que isso! Felicidades, meu irmão! – mostra-se surpreso o outro rapaz, rindo e sorrindo muito.
– Obrigado – responde sorrindo o cego, apoiando com as duas mãos a bengala pelo topo, demostrando certa inquietação positiva ao pensar no neto, que julguei ser seu primeiro. – Antônio, o nome dele – completa, inclinando-se levemente para o lado para certificar-se de que o outro ouviria o nome com clareza.
– Antônio?! Meu nome é Antônio! – responde o flamenguista, quase num grito, atraindo para si a atenção de metade do vagão. Seus olhos estavam arregalados e fitando o cego, numa expressão de total surpresa. Admito que nesse momento eu tive que me segurar para não começar a rir e parecer um louco desvairado. Eu nem deveria estar ouvindo a interação daqueles dois pra início de conversa, se for parar pra pensar.
– Sério? Caramba, mais que coincidência! – responde o dono dos dreads, genuinamente surpreso.
– Sério, pô! – diz o outro, coçando a cabeça e ainda com a cara de bobo – Nossa, que doideira, parceiro.
– É verdade – responde Joaquim, rindo um pouco por conta do tom de voz de total perplexidade do homem.
– Mas e seu nome, meu amigo? Qual é? Como que tu chama? – pergunta Antônio.
–  Joaquim – responde o cego, com um aceno de cabeça.
– Joaquim? Tipo o filho da Angélica e do Luciano Huck? “Loucura, loucura, loucura!” – imita Antônio, com uma taxa não muito alta de sucesso.
– Isso, isso mesmo – responde Joaquim entre risos. – Só que sem o cartão de crédito ilimitado – brinca, exibindo aos poucos seu próprio senso de humor.
Antônio solta uma gargalhada que atrai novamente a atenção da maior parte das pessoas ali. Ele realmente não parece se importar nem um pouco com o que os outros passageiros pensam dele.
– Caraca... Nossa, até chorei aqui – diz Antônio, enxugando os olhos com a camisa, expondo sem preocupações a barriga de cerveja. Joaquim ri.
– Ai, ai... Tu é demais mesmo, viu. Mas me diz, tu trabalha, Joaquim? – pergunta Antônio, ainda tentando voltar a seu estado normal.
– Trabalho. Sou fotógrafo – responde Joaquim. E   após sentir a confusão de Antônio, que não respondeu nada em 5 segundos, Joaquim continua – Tô brincando!
– Porra, Joaquim! – reclama Antônio, tentando segurar o riso. – Eu achei que fosse sério!
– Só queria ver sua reação, parceiro – diz Joaquim, agora já rindo sem qualquer de tipo de timidez. – Viu só? Ver sua reação. Tô brincando de novo – ele completa.
– Como tu me faz uma coisa dessa, Joaquim! – responde meio exasperado Antônio. – Eu tenho sentimentos, irmão.
– Ok, ok, não fica assim – diz Joaquim, dando uns tapinhas nas costas de Antônio, que agora sorria como quem ria, a forma de sorriso mais genuína que já vi em seres humanos.
Nesse momento eu percebo que aquela interação entre os dois homens que literalmente acabaram de se conhecer estava sendo tão hipnótica para mim que eu já havia me esquecido de todo o meu estresse. Esqueci também do cansaço, esqueci que meu chefe é o ser humano mais detestável do mundo, esqueci do trabalho que estou levando pra casa na maleta. Que mágica estaria acontecendo? Seja lá o que fosse, aquilo estava tendo em mim efeito terapêutico.
Próxima estação: Afonso Pena. Desembarque pelo lado direito. O anúncio indicava que minha hora de descer se aproximava. O que normalmente me traria um grande alívio, hoje me deixou um pouco entristecido. Eu simplesmente não queria parar de observar aqueles dois, por mais intrusivo que isso possa parecer. Após alguns nesse pequeno embate, decido voltar a escutá-los enquanto ainda podia.
– Meu amigo Joaquim, se você pudesse ver a moça de vestido branco justinho que tá ali perto da porta.... Meu deus do céu – fala em tom de encanto Antônio, que a essa altura já está com o braço apoiado nos ombros de Joaquim, como se os dois fossem velhos amigos.
– Pô, não me fala uma coisa dessas, meu amigo. Assim eu fico triste – responde Joaquim, levando uma das mãos à cabeça, sempre de bom humor.
– Ah, se eu não fosse casado... – diz Antônio, olhando para a mulher.
– Ih, assim não vai pro céu – brinca Joaquim.
– Se é pelo não cobiçarás a mulher do próximo, eu já tô é condenado há muito tempo, meu amigo! – diz entre gargalhadas Antônio, e Joaquim segue, gargalhando tão intensamente quanto. A única diferença entre o metrô e a mesa de bar nesse momento é a ausência da mesa com uma garrafa de cerveja e do pagode ao fundo.
Joaquim levanta o dedo no ar ao ouvir o anúncio da próxima estação, que é a sua. Ele comenta com Antônio que vai precisar de uma ajudinha pra encontrar a porta do metrô e pede o auxílio de seu novo amigo. Este, prontamente se levanta e ajuda Joaquim até a porta da estação do metrô. Antônio se despede do amigo com um tapinha nas costas deste, que retorna o gesto. Quando as portas finalmente se abrem e Joaquim desce da composição, Antônio parece pensativo. Após cerca de cinco segundos, ele resolve sair também do metrô para acompanhar seu novo amigo e provavelmente evitar que uma amizade como aquela termine de forma tão prematura.
Minha estação é a próxima. Sinto um pequeno vazio que de nenhuma forma é ruim. Finalmente me levanto e dou uma última olhada rápida para os bancos vazio daqueles dois, como se eles ainda estivessem ali às risadas. Como é possível uma conexão como essas se consolidar tão rapidamente? A maioria das pessoas leva anos pra criar uma amizade e esses dois conseguiram isso em cinco minutos. Sinto como se meus próximos dias agora não fossem ser necessariamente ruins. Como se todas aquelas viagens de metrô agora tivessem algum tipo de propósito, que eu não sabia exatamente qual era. Talvez ir para o trabalho todos os dias não seja uma ideia tão dantesca, afinal de contas.


sábado, 18 de abril de 2015

Mães, filhos e demônios

São 4h da tarde. Dona Olga, ex-contadora de descendência judia em seus 82 anos bem vividos, faz compras no mercadinho que frequenta há mais anos do que consegue numerar. Seus cabelos louros, recém tingidos e com um penteado feito exclusivamente para a data especial, era motivo de orgulho naquele dia. Suas vestimentas, em contrapartida, eram simples. Usava um vestido florido, que sempre vestia para ir ao mercadinho, pois aquelas flores a faziam sentir-se em harminoa com aquela natureza rica de frutas, vegetais, cores e texturas. Isso a deixava feliz e tranquila. Contribuindo com essa tranquilidade, tocava Mozart no local; algo que, ainda que inusitado para novos clientes, não espantava D. Olga. Ela conhecia o gosto para música clássica do dono do estabelecimento, que sempre colocava os grandes – Mozart, Chopin, Vivaldi – para seus clientes ouvirem, algo que nunca pareceu incomodar ninguém. Dona Olga que o diga, pois estava agora gesticulando com uma mão ao compasso da sinfonia, de frente para compartimento de tomates, certificando-se de fazê-lo de forma discreta, pois detestava ser o centro das atenções. Com a mão quieta apoiava a sacola com os tomates que havia selecionado para o peixe ensopado do aniversário do filho, Miguel, que completava 36 anos naquele dia.
Enquanto isso, aproxima-se da seção dos tomates um homem muito elegante, que imediatamente reconhece D. Olga. É Marcos Friedman, seu antigo colega de escritório. Era e é um homem muito culto e possuidor de um grande fascínio em se vestir bem, comprando sempre as roupas mais caras que seu orçamento permitia. No entanto, o que lhe sobra de requinte, sobra também de humildade e extroversão. Marcos  coloca a mão no ombro de dona Olga e a cumprimenta.
– Olguinha! Quanto tempo, Olguinha! Como você está? – pergunta o homem, muito  entusiasmado.
– Não acredito! Marcos Friedman! – replica Olga e aproxima-se para o abraçar.
– Quanto tempo faz? Uns dez anos que não nos vemos? Talvez quinze? – o homem pergunta, ajeitando de forma quase automática o smoking, que parecia novo em folha, após o abraço caloroso.
– Olha, se minha memória não me falha – coisa que ela tem feito bastante recentemente – a última vez que nos vimos foi no seu casamento com a Bertinha. Há dez anos atrás – diz ela, com um sorriso dos mais genuínos no rosto.
– Acho que você está certa, Olguinha. Por falar nisso, a Berta sente bastante saudade de você; ela ia adorar te ver aqui – nota Marcos,  agora já com o chapéu estilo Trilby nas mãos.
– Ah, quantas saudades eu sinto da Bertinha, minha amiga. – ela diz, olhando para o chão, por um momento – E agora que estou me lembrando. Vocês se conheceram através de mim, não é verdade, Marcos? – ela pergunta, apenas esperando uma confirmação.
– Está certa novamente, Olguinha – e sorri. –  Se você não tivesse me levado à sinagoga Shel, lá em Botafogo, naquele dia, eu nunca teria conhecido a Berta e construído a minha família linda.
– Ah, eu sabia! – diz e sorri D. Olga, apontando e chacoalhando o dedo para o homem.
– Pois é. Tenho três netinhos, sabia? Dois meninos e uma menina. Lindos, todos lindos – o homem se enche de orgulho ao dizer isso.
– Que maravilha! Você tem alguma foto deles? – ela pergunta, a curiosidade à flor da pele.
– Tenho sim. Olha aqui – diz Marcos, sacando do bolso o celular estilo flip. No entanto, descobre que o aparelho está sem bateria.
– Numa outra oportunidade você me mostra seus pequenos, Marcos. Acontece. – diz Olga, consolando o homem.
– Que situação desagradável. Eu tinha certeza que tinha carregado ele hoje de manhã – lamenta ele.
– Sabe, Marcos. Eu também tenho um netinho. Eduardo, o nome dele. Duduzinho! Coisa mais linda. Tem 5 aninhos – finalmente revela Olga, que estava apenas esperando uma oportunidade para falar do netinho. – Filho do meu filho Miguelzinho.
– Aquele Miguelzinho que ficava na barra da sua saia o dia inteiro na época que trabalhávamos no jornal? – pergunta surpreso Marcos.
– Isso mesmo! Só me dá alegrias, esse menino. Sempre muito apegado a mim, é verdade. Muito tímido também, mas é o jeito dele – aponta Olga, com um leve tom de reprovação. E continua – O filho é a mesma coisa. Apegadíssimo ao pai e a mim. Uma lindeza, benzadeus!
Enquanto conversam, uma mulher se aproxima da porta do mercadinho. Usa um vestido azul marinho bastante justo, sapatos de salto alto, luvas de cetim preto e um chapéu de renda recaindo sobre o rosto, de pele clara e feição jovial. Ela segura uma maleta, também azul, e tem o olhar determinado. A mulher então ajeita a roupa, o cabelo e finalmente adentra o local. Enquanto percorre as fileiras de vegetais com incomparável elegância e imponência, ela parece observar todas as pessoas ali dentro com distinta atenção, como uma espiã de guerra, quando finalmente detecta a presença de Marcos no local. Ela para imediatamente, saca o pulso esquerdo para olhar as horas e o recolhe novamente, o olhar agora fixo no homem, que mal sabe que está sendo observado.
– Lembra quando você pediu demissão do jornal, Olguinha? – pergunta Marcos, mal conseguindo segurar o riso.
– Oh, como eu me lembro! Nesse dia a Marlene aproveitou e se demitiu também. Bebemos alguns drinks em comemoração a nós mesmas – diz a mulher com um ar nostálgico, agora amarrando a sacola com os tomates e rindo um pouco.
– É verdade, Olguinha. Todos vibramos muito por você naquele dia. Realmente inesquecível. O Pablo subiu na mesa e quase foi demitido, lembra? – disse Marcos, suas palavras ainda competindo com as risadas.
– Mas é claro! Como eu me esqueceria? – ela diz, com a mão na cintura – Pablo era muito meu amigo. Viajamos juntos para Bariloche uma vez. Não sei por que paramos de nos falar – Olga olha para cima como tentando se lembrar.
– Mas me diz, Olguinha. Tá bonita! Alguma ocasião especial? – ele dispara.
– Sim! Sim, é o aniversário do Miguelzinho hoje. Eu ainda não tinha te contado? – responde com muita empolgação ela. – Faremos juntos um peixe ensopado com tomates, como todo ano – e balança às vistas de Marcos a sacola de tomates.
– Que maravilha, Olguinha. Muito bom ouvir isso.
A mulher que os observava agora está fazendo uma ligação telefônica pelo celular, sempre fitando Marcos à distância. Ela fecha o aparelho, o guarda em sua pequena bolsa a tiracolo e caminha na direção de Olga e Marcos. Seu andar é o de uma modelo e seu olhar, o de uma leoa prestes a atacar sua presa.
– Mas me diz, Marcos. O que você tem feito durante todos esses anos? – pergunta com empolgação Olga.
– Bom, eu –
– Marcos Friedman. – o interrompe a mulher misteriosa ao se aproximar dos dois.
– Valkíria? Não acredito! – exclama Marcos, que se apressa para abraçá-la, mas ela permanece imóvel, com uma expressão de impaciência.
– Valkíria, irmã da Bertinha? – pergunta Olga, muito surpresa.
– Sim, sou eu. – a mulher pronuncia as três palavras como se fossem uma única, sem ao menos olhar para Olga. Seu olhar está fixo em Marcos. E ela continua.
– Acredito que tenha conhecido o Marcos. – Ela diz, ainda fitando o homem no rosto.
– Sim, ele é o –
– Este homem é procurado pela KGB por atentados à humanidade. Agora que o encontrei, poderei tomar as devidas providências. – Valkíria informa, quase de forma robótica.
– Quem? O Marcos? Um terrorista? Você só pode estar brincando – diz entre risadas Olga.
– Sim. Ele mesmo. Ele é acusado de ter detonado uma bomba numa escola primária em Minsk, na Bielorrússia, no mês passado. – Ela diz, sem a menor alteração no tom de sua voz.
– E o que você vai fazer? Me prender? – desafia Marcos, visivelmente abalado.
– Esse é o plano. Contarei com a ajuda do Alberto para isso. – Revela a mulher, e vira a cabeça para mirar o gerente.
Seu Alberto Shmidt, o gerente do mercadinho, é um rapaz baixo e de rosto muiro alegre de quem ama seu trabalho. Suas calças pretas e camisa social branca dobrada à altura dos cotovelos, assim como o walkie-talkie preso ao cinto, condizem inteiramente com aquele cargo, que orgulhosamente ocupava há tantos anos naquele mercadinho. Ao terminar de ajudar uma cliente a encontrar os cestos para compras, ele repara a mulher acenando para que ele se aproxime e imediatamente sente-se um tanto quanto intimidado, pois não tinha contato com mulheres tão atraentes com frequência. Ele então endireita a coluna, dá um pigarro para limpar a garganta e passa a mão no cabelo de súbito, numa tentativa de estar em sua melhor forma possível para executar a missão requisitada pela mulher, que certamente não era qualquer cliente.  Ele então dirige-se até ela.
– Pois não, senhorita. Posso ajudá-la em algo? ­ – ele pergunta e dá uma piscadinha nada discreta para Valkíria.
– Pode sim. – Ela responde. – Já está na hora.
– Ah, sim. Já está tudo pronto, Srta. Valkíria – informa Alberto, tentando esconder seu nervosismo evidente.
– Excelente. – E vira-se para Olga. – Pode ficar de olho nele para mim, Olguinha? – diz Valkíria olhando pela primeira vez para Dona Olga, no que estava longe de ser um pedido, mas sim uma ordem.
Antes que Dona Olga pudesse responder, a mulher vira-se e começa a caminhar em direção à saída do mercadinho. Seu Alberto a segue prontamente, tentando despedir-se, de forma muito atrapalhada, de Olga e Marcos.
–  Isso está me cheirando muito mal, Marcos – sussurra Dona Olga para o homem, que a essa altura não está mais prestando atenção nela, preocupado com outros assuntos.
Seu Alberto conversa sobre algo Valkíria ao chegar à saída do mercadinho, onde ela já estava, olhando ocasionalmente para D. Olga e Marcos. Após muitos acenos por parte dele, Alberto retorna ao seu posto, perto dos caixas do local, enquanto Valkíria permanece no mesmo lugar.
– Eu sou velha conhecida do seu Alberto, Marcos. Vou tirar isso a limpo – informa Olga a ele – Você fique aqui, não quero que nada aconteça com você – pede a mulher, segurando de leve o ombro  de Marcos enquanto deixa sua companhia em direção a Alberto. Ela então segue até ele, que agora está pálido e suando demasiadamente.
– Olá, Albertinho – Olga o cumprimenta, com uma expressão que mistura afeição e desconfiança. – Posso parecer intrometida, mas o que aquela mulher falou pra você? Vocês têm algum plano? – inquere.
– Olá, Dona Olga. Algum problema com as compras? – Ele pergunta, como se não tivesse ouvido D. Olga. – Ah! Já viu que estamos com uma promoção nas cenouras? Pela metade do preço! O caqui também está em promoção! Eu, se fosse a senhora, aproveitaria – e dá uma risada de leve, o suor ainda correndo pelo rosto de pele parda. Ao perceber a evasão do assunto, Olga despede-se de Alberto com um sorriso e ruma em direção à mulher elegante atrás de respostas. Antes disso, porém, Alberto segura-lhe o braço e fala muito baixo, num sussurro:
– Seu filho está em perigo, dona Olga. Isso é tudo que posso dizer – Ele alerta, trêmulo – Eu realmente não posso falar mais nada sobe isso, mas talvez a srta. Valkíria possa – E, olhando timidamente para o chão, solta o braço de dona Olga, não sabendo como conseguiu fazer algo que ele consideraria tão ousado.
 Dona Olga o olha com se estivesse vendo a morte em pessoa. Após alguns segundos, ela ruma abruptamente e sem dizer nada em direção à mulher misteriosa atrás de esclarecimentos. Valkíria está na porta do mercado, expelindo, para o alto, fumaça da boca, proveniente do cigarro preso a uma piteira, que segura com elegância ao lado do corpo. Ela não está mais com a maleta. Olga anda até ela, mas um susto faz com que ela pare de súbito. Há muita gritaria e tumulto do lado de fora do mercadinho. Após alguns segundos de gritaria e corre-corre das pessoas na rua, para todos os lados, três homens adentram o local, todos encapuzados. Dois deles estão com espingardas e um deles, com um facão corroído por ferrugem. Dona Olga permanece imóvel, os olhos arregalados, e dá um pulo quando eles cortam aquele silêncio de repente.
– Todos quietos! Agora nós somos os donos desse local! Se vocês não ficarem quietinhos, a gente vai botar pra quebrar! – anuncia um dos três bandidos, apoiando a carabina sobre o ombro. E continua – Eu e meus amigos aqui fomos informados de que há uma tal Dona Olga neste estabelecimento. Quanto antes ela se apresentar, melhor para todos – ameaça.
Dona Olga olha para o gerente, que olha para ela de volta. Ele agora possui uma expressão muito mais tranquila do que antes, quase como se nada estivesse acontecendo. A mulher não sabe o que fazer e, aos poucos, começa a recuar, de costas, em direção ao local em que conversava momentos antes com Marcos. Porém, para sua surpresa, ele não está mais lá ou em qualquer outro ponto do mercadinho.
– Valkíria, venha cá – ordena o bandido à mulher elegante, que manteve-se absolutamente tranquila durante todo o tempo. Ela apaga o cigarro com o sapato e segue em direção ao bandido, que parecia ser o líder do bando.
– O Miguelzinho, Valkíria. Eu sei que a mãe dele está aqui, mas quem a gente quer é o filho dela.
– Miguelzinho está em casa. – diz a mulher, com sua constante cara de desprezo e nojo.
– Bom, e onde diabos fica essa casa, Valkíria? – replica o bandido, sua paciência aos poucos se esgotando. Ao ouvir tudo isso, Dona Olga entra em completo desespero. O que poderiam aqueles homens querer com seu filho? – Um garoto tão bom e certo, nunca fez mal a ninguém! Ele nunca estaria envolvido com bandidagem! – ela pensava nervosamente. É somente um tiro que interrompe seus pensamentos desesperados. O bandido havia matado Valkíria com um tiro na barriga e agora estava acenando para seus comparsas para que o acompanhassem em direção ao interior do mercadinho. Eles param ao lado dos caixas e o líder novamente se pronuncia:
– Dona Olga, nós sabemos sobre seu filho. Hoje é aniversário dele, né? Dê a ele meus parabéns. – diz o bandido, virando-se para olhar para seus comparsas com um sorriso demoníaco. – Mas hoje é o último dia de vida dele, porque nós o apagaremos da face da Terra – o bandido fala em tom calmo, ao contrário do que se pudesse esperar daquela situação. Ele olha para todas as pessoas no local, tentando identificar a mulher que buscavam. E prossegue. – O filho dele, Eduardo, o Duduzinho! de 5 anos. Seu neto, dona Olga. Nós o mataremos também. Que tal? Gostou da ideia? – termina, agora rindo muito alto com seus comparsas. Olga finalmente quebra o silêncio.
– Estou aqui! Eu sou a Olga e vocês podem acabar com a minha raça, mas deixem meu filho e meu neto em paz, seus cachorros! Animais! – ela brada, olhando ao redor em busca de algo para se defender, muito trêmula. Os bandidos então começam a avançar em sua direção. O do facão aproveita a oportunidade para degolar Alberto com um único golpe no pescoço, que cai imediatamente. Os outros dois continuam em direção a Dona Olga, que agora empunhava um rodo azul que encontrara perto da porta da área de serviço. Os bandidos agora estão perigosamente próximos de Dona Olga.
– Vocês não podem fazer isso! Eu vou acabar com a vida de vocês! Eu vou matar um por um! Aí eu quero ver como a mãe de vocês vai se sentir! Seus vermes, seus animais! – ela grita com a voz trêmula, fazendo movimentos com a vassoura tão fortes e rápidos quanto a idade permite. Ela para por um instante, o olhar fixo no nada. Então volta a mirar os bandidos e grita – E quem está balançando essas chaves? Estou ouvindo barulho de chaves! O que vocês tão tentando abrir? Hein? – e sacode furiosamente o rodo azul em todas as direções. Então, uma porta se abre sem que dona Olga perceba.
– Pra trás, seus bandidos imundos! Ou eu mato todos vocês, eu juro! – os olhos de dona Olga expressam profundo desespero.
– Mãe! – grita uma voz familiar.
– É você, Miguelzinho?! Se afaste! Esses homens querem te matar, e o Duduzinho também! Pra trás que eu já vou acabar com eles! Pra trás! PRA TRÁS! – grita a senhora, sem desviar o olhar dos bandidos em nenhum momento; estes, já apontando para ela e o filho as espingardas.
– Mãe – diz Fernandinho, colocando a mão no ombro da mãe – se acalme.
– Me acalmar como, Miguelzinho? Esses homens vão te dar um tiro! Um tiro, meu filho! Eu não vou deixar! – e balança mais uma vez o rodo.
Miguel quase tropeça nos tomates no chão da cozinha enquanto tenta se apoderar do rodo que a mãe sacode para todos os lados.
– Mãe, tá tudo bem. Se acalme. Eu já cheguei – diz o filho com muita calma, como quem já havia dito isso centenas de vezes antes. Ele agarra com muito cuidado o rodo da mão da mãe e o coloca em pé junto ao fogão, que está com os botões removidos para que o gás não possa ser ligado pela idosa em sua ausência.
– Meu filho, eles iam te matar! Eu tinha que fazer alguma coisa! – diz Olga com lágrimas nos olhos.
– Tudo bem, mãe. Tá tudo bem – diz Miguelzinho fazendo carinho na cabeça da mãe, que agora tem junto ao peito. E termina – Ei, que tal você descansar um pouco agora e mais tarde a gente faz aquele peixinho ensopado que nós adoramos fazer juntos? – sugere o filho, olhando nos olhos, ainda chorosos, da mãe.
– Mas e os bandidos, Miguelzinho? Eles falaram que vão matar você e o Duduzinho – ela inquere, o tom de voz ainda um pouco exasperado.
– Eles já foram embora, mãe. Fica tranquila – Ele responde e em seguida se abaixa para recolher uma maleta azul que a mãe havia jogado no chão da sala. Ao lado dela estava a foto de um homem de terno, que ele não reconheceu.
Ele então conduz a mãe até seu quarto, esta agora falando sobre o assassinato frio da mulher elegante e do Albertinho do mercadinho, enquanto o filho ouve tudo com naturalidade. Ele deita a mãe em sua cama, a cobre com o lençol e lhe dá um beijo na testa.
– Traz o Duduzinho pra eu ver ele, meu filho – diz enquanto segura a mão de Miguel – Eu tô morrendo de saudades dele.
– Claro, mãe. Claro – diz Miguel, desejando muito que o filho Eduardo ainda estivesse vivo, como na mente de sua velha mãe. Ele se vira, apaga o abajur da mesa de cabeceira e fecha a porta ao sair, suspirante.  

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Morfeu

 – Cuidado, Felipe. Aqui, tudo é muito escuro, como deve ter percebido. Além disso, não é educado esbarrar nas pessoas desta forma – orientou, numa voz muito serena, o homem de estatura muito elevada, bengala, roupas e barba roxas e uma pele muitíssimo enrugada
– Como assim? Onde eu tô? Como você sabe meu nome? Quem é você? Onde você tá? – retrucou mais que rapidamente Felipe, um jovem de 23 anos, vestido como quem vai para a faculdade ou tomar um drinque com um amigo.
– Acalme-se, Felipe. Estou bem aqui – e, pondo a mão no obro de Felipe, que se virou rapidamente, a figura continuou:
– Tudo lhe será explicado. O senhor só precisa se acalmar, pois as notícias que lhe darei não serão das mais fáceis de se digerir.
– “Calma”? Como assim “calma”? Eu mal consigo enxergar e ainda por cima... tem esse cheiro... Isso é cheiro de... ferro? Além disso, quem é mesmo o senhor? – disse com ainda mais exasperação Felipe, empurrando para longe a mão da figura de seu ombro.
– Eu sou o Chaveiro, e eu serei o responsável por lhe acompanhar até sua nova morada aqui no plano inferior – respondeu, mantendo a serenidade de sempre.
– Peraí... Não, peraí. Você disse “plano inferior”? Isso é tipo um submundo? Você tá querendo dizer, por algum acaso... Isso significa que eu MORRI?! – indagou em voz alta Felipe como para si mesmo, com os olhos arregalados e fixados em algum ponto aleatório daquele chão coberto de pedrinhas verde-musgo.
 – Sim, Felipe. Você faleceu há exatos 7 minutos e 56 segundos. Você reagiu a um assalto em frente à sua faculdade no dia 20 de março de 2015, às 9:37 da noite. – anunciou, com certa preocupação e procurando sempre fitar Felipe nos olhos, o enigmático homem.
– Não... Não pode ser. Simplesmente não pode. Não pode porque eu não me lembro de nada disso. Não lembro, você tá mentindo. Mentindo na minha cara. – retrucou o jovem, girando em torno do próprio eixo em movimentos bruscos, como se estivesse buscando por alguma explicação ao seu redor.
– Quando seres vivos morrem eles nunca são capazes de se lembrar dos momentos imediatamente anteriores à sua morte, pois essas memórias são enviadas ao Contador para arquivamento – explicou o homem com grande tranquilidade na voz.
– Já sei! Isso aqui é um sonho lúcido! Melhor eu aproveitar, né, esse tipo de sonho é bastante raro! – exclamou Felipe, balançando o indicador no ar como se finalmente tivesse entendido do que tudo se tratava. Mas dessa vez o homem se absteve da resposta e se limitou a observar o jovem, aguardando um momento oportuno para ter a palavra. Felipe continuou falando para si mesmo:
– Eu vi isso naquele “Inception”, do Nolan. “Waking Life” também. Por falar nisso – e se aproximou da figura, dando dois tapinhas no ombro dele – dois filmaços, hein. Caso não tenha visto, deveria ver – e se afastou novamente, dando as costas para o velho. Após alguns segundos, ele continuou:
– Agora só preciso que alguém me acorde porque, com todo o respeito, já enchi o saco daqui. Esse lugar cinzento, esse cheiro estranho... Que não dá nem pra enxergar um palmo na minha frente. Fora que tá um frio do caramba. Se bem que, parando pra pensar, eu nunca tinha tido um sonho tão realista – e se beliscou – apesar disso não doer nada. Por que não dói?
– Porque aqui não existe dor física – respondeu imediatamente o enigmático homem, não percebendo que Felipe havia feito a pergunta para si mesmo – Entenda, neste mundo impera o pragmatismo. Dores servem o propósito de manter os seres vivos sãos e, bem, vivos. Você não está mais vivo, no sentido literal da palavra e, portanto, não necessita mais dessa função fisiológica de seu corpo – disse, como quem narra regras já lidas um milhão de vezes antes.
Felipe o fitou por alguns segundos e finalmente disparou:
– Mas vem cá, como eu posso realmente saber, ter certeza, de que eu não tô sonhando, hum? – perguntou, em tom de desafio ao velho.
– Desta forma ­– e empurrou o rapaz no chão com toda a força. Felipe, caído, imediatamente percebeu que, caso estivesse sonhando, teria acordado naquele instante com a queda, como é comumente discutido e argumentado no meio dos sonhadores lúcidos. Ele, então, incrédulo e ainda caído no chão, disparou:
– Isso é uma pegadinha! Eu não posso estar morto, simplesmente não posso! – argumentou, num tom de voz mais alto e já carregado de um aparente desespero.
– Por que diz isso, Felipe? – questionou o homem de roxo, genuinamente confuso.
– Porque não posso! – e levantou-se – Você não tem a menor noção da quantidade de planos que eu fiz... ou estava pra fazer! Eu ia trabalhar na Noruega um dia! IDH absurdo de bom naquele lugar. Ia virar escritor também porque eu sempre me pego tendo ideias que adoraria colocar no papel. O meu problema sempre foi não ter a disciplina de parar e escrever, infelizmente – completou, a última frase num tom um pouco mais baixo do que o comum.
– Felipe...
– Eu tava aprendendo francês! “Je savais quelques choses déjà, tu vois?” E o mandarim que eu tava me preparando pra aprender? Não, não, não, não, não, isso não pode estar acontecendo. Eu ia até abrir uma empresa, caralho! – gritou, levando as mãos à cabeça e encarando subitamente o velho – Não sei de quê, mas ia. Juro que ia – disse Felipe, agora com o desespero, ainda mais aparente do que antes, estampado nos seus olhos, que haviam voltado a fitar o nada.
– O senhor precisa se acalmar, Felipe. Venha, acompanhe-me ­– tentou o homem acalmar Felipe, ponto o braço em torno de seu pescoço – precisamos nos dirigir a seus aposentos agora. O senhor vai gostar, tenho certeza. A comida lá é ótima, e o senhor comerá somente por prazer, já que fome também não existe por aqui.
– Mas... Por que tão cedo? Por que, sei lá, Deus, Zeus, Shiva, não me deu a chance de concretizar sequer um dos meus planos? – perguntou o rapaz, que dava somente rápidas olhadas para a figura, por receio de tornar ainda mais real aquela experiência aterradora.
– A justiça não é uma das características mais notáveis do Plano Terreno, Felipe. Você certamente já havia notado isso, mas nunca acreditou que um dia seria você o injustiçado. Da mesma forma que os cartunistas franceses mortos pelos radicais islâmicos não acreditavam nisso, entende? Ou qualquer grupo de viajantes que dormia enquanto seu ônibus despencava de um desflideiro qualquer. Acontece, Felipe. E dessa vez aconteceu com você, infelizmente – explicou, numa voz calma.
– Mas...
– Você só precisa de um descanso agora. Uma boa noite de sono vai te ajudar a...
E a música distorcida do Nine Inch Nails no despertador do celular fez com que Felipe se levantasse suado em sua cama. Seu quarto era tão real quanto antes, e o homem de roxo não era mais do que uma projeção de seus mais profundos medos inconscientes que, naquela noite, o comeram vivo.